Brizola e Lacerda jamais se falaram (Hélio Fernandes - Tribuna da Imprensa)
O encontro do governador com João Goulart, ex-presidente
Helio
Inspirado em teu artigo, quero lembrar que o destino colocou Brizola e Lacerda lado a lado na história brasileira; só faltou serem íntimos. Vamos ver: José Brizola, pai de Brizola (que morreu degolado), foi capitão dos provisórios de Leonel Rocha, caudilho maragato, na Revolução Federalista de 1923, que em 1924 deu apoio a Prestes, com homens e armas. Terminada a revolução, já em 1928, os líderes maragatos, tendo à frente Assis Brasil, fundaram o Partido Libertador, e Maurício de Lacerda, pai de Lacerda, foi um dos fundadores. Maurício seguia o ideário maragato, pelo qual o pai de Brizola morreu lutando.
Brizola e Lacerda "terçaram armas" na Câmara de Deputados em 1954, quando eleitos deputados federais: Lacerda começava a jurar a Constituição, quando Brizola interrompeu dizendo que era um juramento falso, porque ele estava pregando o golpe de Estado lá fora. Brizola exibiu a Tribuna da Imprensa, em que Lacerda defendia um estado de emergência; houve estupefação geral (Moniz Bandeira).
Atenciosamente,
Antonio Santos Aquino - Rio de Janeiro
Comentário e revelações
Lembro muito bem esse episódio em 31 de janeiro de 1955. Brizola já havia feito o juramento, quando Lacerda ia fazer o seu foi interrompido de forma agressiva e inédita. Mas não tiveram mais oportunidade de se relacionarem. Brizola foi logo para o Sul, nesse mesmo 1955, em 3 de outubro se elegeu prefeito de Porto Alegre. Não terminou o mandato, em 3 de outubro de 1958 era eleito governador do Estado.
Curiosamente derrotando a UDN e o PSD, que se aliavam sempre contra ele, que disputava pelo PTB. UDN e PSD tinham a intuição ou a certeza de que o homem a derrotar, de qualquer maneira, era Leonel Brizola. E acabaram tendo razão.
Ele e Lacerda continuavam distantes, mais geográfica do que ideológica ou administrativamente. Brizola assumiu o governo em janeiro de 1959, Lacerda em dezembro de 60. Os dois foram excelentes governadores. Em 3 de outubro de 1962, ainda governador do Rio Grande do Sul, Brizola se elegeu deputado federal pela Guanabara, governada por Lacerda.
Deixou o governo em 31 de janeiro de 1963, no mesmo dia assumia na Câmara. A partir daí a História é visível, não precisa ser contada. O golpe de 64 (um contra, o outro a favor) acabaria por destruir os dois, impedindo que chegassem a presidente. Brizola tinha enorme capacidade de "fazer amigos e inimigos". Antes de 64, candidato a presidente com o slogan "cunhado não é parente, Brizola para presidente". Ainda em 1963, tentou um acordo com Jango, que o nomearia ministro da Fazenda e o marechal Lott, ministro da Guerra, com o direito de vigiá-lo no Ministério da Fazenda para "que não fizesse loucura".
João Goulart até que não ficou totalmente contra, pediu tempo. Mas conversou com Roberto Marinho, que acabava de publicar na primeira página de "O Globo" o editorial "João Goulart, um estadista". Com base nisso, estando na companhia do embaixador Lincoln Gordon, e sentado na cama do presidente, disse a ele: "Se você (intimidade total) nomear o Brizola ministro da Fazenda, não termina o mandato". Goulart recuou, não nomeou Brizola e não terminou o mandato. Era melhor ter nomeado, não sei o que aconteceria, mas o Brasil não seria o mesmo.
Quando Carlos Lacerda foi a Montevidéu, levar o "Manifesto da Frente Ampla" para o ex-presidente assinar, conversaram demoradamente. Em determinado momento, Carlos Lacerda disse a João Goulart: "Tenho que ir embora pois vou a Atlântida (onde Brizola estava confinado, por ter feito declarações sobre o golpe de 64 e os generais brasileiros pediram ao Uruguai que o mandassem para o interior, o que foi feito) ver se o governador Brizola quer assinar o Manifesto".
Na volta, Carlos Lacerda me contou, ainda surpreendido: "Quando falei isso, João Goulart empurrou o papel para mim e disse, se esse senhor assinar eu não assino". Perguntei o que ele fez. Resposta: "Disse, presidente, se o senhor não quiser não procuramos a assinatura dele". E assim foi feito.
PS - Aproveitando uma carta ótima, recordei e contei acontecimentos inteiramente desconhecidos, até hoje não revelados.
PS 2 - Eu ia a Montevidéu com Lacerda, não consegui autorização para viajar. Se despedindo, Lacerda me disse: "Puxa, não queria ir sozinho, não por causa do Jango, nós somos políticos, vamos nos entender. Mas se Dona Maria Teresa aparece e me pergunta o que estou fazendo na sua casa? Não sei o que responder". Felizmente (para o encontro) Dona Maria Teresa não apareceu.