Vieira da Cunha: "Brizola, antes de tudo, era um patriota"
21 de junho de 2013
|
A notícia da morte do Governador Leonel de Moura Brizola encontrou-me na distante cidade de Pequim, na China, onde, participava da missão oficial do Estado do Rio Grande do Sul naquele país. Eram cerca de 8h25min da manhã, em Pequim - 9h25min da noite, no Brasil -, o Governador Leonel Brizola havia falecido há poucos minutos, e o seu assessor de imprensa, Fernando Brito, telefonava para me comunicar a morte.
Imediatamente, justifiquei ao Governador Germano Rigotto e aos demais membros da comitiva a necessidade de voltar para o Brasil ainda em tempo de participar das homenagens ao nosso Líder Brizola.
Felizmente, consegui um plano de vôo Pequim-Frankfurt-São Paulo-Porto Alegre. Foram mais de trinta horas de viagem, mas consegui chegar por volta de 10 horas da manhã do dia 23 de junho, ainda em tempo de receber o corpo do Governador Leonel Brizola, no início da tarde, no Aeroporto Salgado Filho. Não poderia deixar de estar lá, porque, se uma só pessoa houvesse no Aeroporto Salgado Filho para receber o Governador Leonel Brizola, essa pessoa seria eu, haja vista os laços não só de liderado para líder que nos uniam, mas o respeito muito grande, pessoal, além de político que eu tinha com o Governador Leonel Brizola.
Acalentáramos uma relação muito próxima que se aprofundou desde 1994, quando me elegi pela primeira vez Deputado Estadual. Nossos contatos, desde aquela época, portanto, nos últimos dez anos, eram praticamente diários. Falamos por telefone na véspera de sua morte. Liguei para ele, de Pequim, porque estávamos vivendo o período das convenções partidárias e conversávamos sobre as alianças nas eleições municipais de Porto Alegre, do Rio de Janeiro e de outras capitais.
Ele estava bem, com a voz firme, dizia que se estava recuperando de uma indisposição que havia tido dias antes na cidade de Montevidéu. Lastimavelmente, na manhã seguinte, recebi a notícia da sua morte.
Meu primeiro contato pessoal com o Governador Leonel Brizola deu-se logo depois da sua chegada do exílio. Eu era Presidente do Centro Acadêmico André da Rocha, da Faculdade de Direito da UFRGS. Organizáramos um seminário intitulado Rumos da Oposição Brasileira.
Nós, estudantes, com muita curiosidade, víamos o quadro político- partidário se formando. Nós, que havíamos crescido sob o bipartidarismo, estávamos sedentos por saber quais os partidos políticos que se reorganizariam com a reconquista da democracia no nosso País.
Trouxemos, então, para a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, os principais líderes nacionais dos partidos políticos que haviam-se reorganizado. Recordo-me de que no Plenário Farroupilha falou o líder Luiz Carlos Prestes sobre a reorganização do Partido Comunista. No Plenário João Neves da Fontoura, falou Leonel Brizola sobre a reorganização do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. Ainda não lhe haviam roubado a histórica sigla.
Era o ano de 1979, o Governador Leonel Brizola fez um pronunciamento sobre o que era o trabalhismo, os compromissos do trabalhismo, sobre sua trajetória histórica, sobre o Movimento de 64, enfim, sobre os grandes temas nacionais e internacionais. E eu, que, na época, tinha 19 anos de idade, era estudante, imediatamente me identifiquei com suas idéias, com o programa daquele Partido que se reorganizava, e, ali mesmo, naquela palestra, decidi que aquele seria o meu caminho político-partidário.
Em 1981, filiei-me ao Partido Democrático Trabalhista. Militei na juventude do Partido inicialmente, depois concorri a vereador, em 1982, nas primeiras eleições pós-Ditadura. Em 1986, assumi uma cadeira na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ocasião em que tive oportunidade de prestar uma homenagem ao Governador Leonel Brizola.
Recordo bem o dia: era 27 de agosto de 1986. Essa data era muito significativa porque transcorriam 25 anos do Movimento da Legalidade. Aquele episódio histórico fez com que uma multidão tomasse a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, em defesa da Constituição, em defesa do regime democrático, que estava ameaçado porque as elites da época não queriam que o Vice-Presidente da República eleito, João Goulart, assumisse os comandos do destino deste País, uma vez que Jânio Quadros havia renunciado.
Foi o então Governador Leonel Brizola, jovem Governador, na época com 39 anos de idade, que comandou aquele Movimento histórico que acabou garantindo a posse do Presidente João Goulart. Ali Leonel Brizola projetou-se nacional e internacionalmente, porque aquele foi um dos maiores movimentos cívico-populares que já teve registro na nossa história. Foi um Movimento que ganhou consciências em todo o País e que acabou vitorioso, mesmo que seu brilho tivesse sido empanado pelo casuísmo do parlamentarismo.
De qualquer maneira, o golpe foi abortado, e João Goulart assumiu a Presidência da República, graças à coragem, à ousadia, à liderança, à capacidade de mobilização popular que teve o então jovem Governador Leonel Brizola.
Destaco, daquele histórico dia, um trecho do discurso que fez Leonel Brizola quando tomou conhecimento de que o Palácio Piratini estava na iminência de um bombardeio. A ordem de bombardeio partiu do 3.º Exército, e Leonel Brizola, no histórico pronunciamento, dirigindo-se ao povo gaúcho, disse o seguinte:
"Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham, e se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória".
Essas foram as palavras corajosas do líder da Legalidade, Leonel Brizola, decisivas naquele momento histórico, para que as forças da reação e do conservadorismo recuassem e o Movimento triunfasse. A coragem e a liderança de Leonel Brizola estavam demonstradas para todo o País.
Honrado que fui com a condição de orador, distinguido pela família no túmulo do nosso Governador, no Município de São Borja, disse que Leonel Brizola tinha sido o maior Governador que o Rio Grande do Sul já teve. É verdade. Não foi a emoção do momento que me fez proferir aquelas palavras, mas os fatos históricos, suas obras, suas realizações, que atestam que aquela foi uma assertiva verdadeira.
Me referi antes ao Movimento da Legalidade e tenho também de lembrar o maior plano de escolarização que este país já testemunhou. Foram 6.300 escolas construídas em apenas quatro anos de Governo. São quase 1.600 escolas por ano. Essa obra magnífica de um Governador apaixonado pela causa da educação lançou as bases para que o Rio Grande do Sul pudesse ser hoje o Estado que tem o melhor nível de qualidade de vida do País. Tenho certeza de que isso se deve àquelas escolas, pois fizeram com que fosse desprezível o índice de analfabetismo no Rio Grande do Sul comparado ao de outros Estados do País. Graças aos pesados investimentos que Leonel Brizola fez em educação, o Rio Grande do Sul tem atualmente essa condição ímpar no contexto nacional.
Leonel Brizola fez também uma reforma agrária que até os dias de hoje é considerada uma referência positiva. Está lá o Banhado do Colégio, no Município de Camaquã, eloqüentemente testemunhando que é possível fazer um plano de distribuição de terras que permita aos nossos trabalhadores vocacionados para a produção tirarem do seu pedaço de terra o seu sustento, assim contribuindo para o desenvolvimento do Estado e do País com os frutos do seu trabalho.
Foi no Governo de Leonel Brizola que tivemos a corajosa encampação das empresas multinacionais de energia elétrica e de telefonia que emperravam o processo de desenvolvimento econômico do nosso Estado. Corajosamente, desapropriou essas empresas, fundando a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE - e a Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações - CRT -, que foram fundamentais para o crescimento do nosso Estado ao longo das últimas décadas.
Poderia citar a Estrada da Produção, a Refinaria Alberto Pasqualini, a Aços Finos Piratini e tantas outras obras e realizações que fizeram com que o Governo Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, fosse um Governo que marcou época. S. Exa. fez jus ao título de maior Governador do Estado do Rio Grande do Sul, atributo que lhe conferi sem exagero algum.
A Legalidade, em 1961, apenas adiou o golpe que viria três anos depois. Mil novecentos e sessenta e quatro foi marcado pelo Golpe Militar. Naquela época, diversos cidadãos e cidadãs brasileiros foram perseguidos e tiveram de viver no exterior, como foi o caso de Leonel Brizola.
A propósito, dificilmente alguém foi mais perseguido ou teve a sua vida mais virada ao avesso pela Ditadura Militar do que o ex-Governador Leonel Brizola, quando invadiram a sua casa, reviraram as suas gavetas e remexeram em seus objetos pessoais à procura de algo que pudesse comprometê-lo. Nada! Absolutamente nada encontraram que pudesse sequer arranhar a honrada vida pública ou privada deste homem que recém havia governado o Rio Grande.
Portanto, além de ser um líder corajoso e ousado, um administrador de mão cheia, inovador, Leonel Brizola tinha essa marca, a marca da honradez, da probidade. Era daqueles homens públicos com a característica da retidão de conduta. Numa época em que muitos políticos se satisfazem com as migalhas do poder, o exemplo de Leonel Brizola se agiganta, porque foi um homem que, por fidelidade aos seus princípios, rompeu com os governos que ajudou a eleger - no Rio de Janeiro, com Anthony Garotinho; no plano federal, com Luiz Inácio Lula da Silva, pois tais governantes haviam-se afastado daqueles compromissos que levaram Leonel Brizola a apoiá-los nas suas respectivas eleições. Rompeu com os Poderes Estadual e Federal para ficar em paz com a sua consciência e fiel aos seus compromissos e princípios.
O que nos conforta nesta hora é saber que Leonel Brizola morreu fazendo aquilo de que mais gostava, aquilo que sabia fazer: política. Um dia antes de sua morte, recebia lideranças políticas, mesmo acamado, no seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Como predisse em vida, morreu como um cavalo inglês, morreu na cancha, morreu peleando, o que nos conforta.
O que nos animou muito também foi a solidariedade, a comoção popular que testemunhamos não só no Rio de Janeiro - Estado que governou por duas vezes e onde deixou talvez sua maior marca registrada, os CIEPs, as escolas de turno integral -, mas também em Porto Alegre e na cidade de São Borja, onde foi enterrado.
As multidões vieram se despedir do grande líder que, antes de tudo, era um patriota, outra de suas marcas registradas. A missa de sétimo dia, realizada na Igreja da Candelária foi concluída com o Hino da Independência, que Brizola costumava puxar pessoalmente ao encerrar os nossos principais atos partidários. Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil -, cantava com uma emoção que contagiava, contaminando a todos com seu patriotismo, com seu compromisso inabalável de defesa da soberania nacional.
O dia 21 de junho de 2004 vai ficar marcado na história do Brasil, assim como ficaram o 24 de agosto de 1954, quando nos deixou o grande estadista Getúlio Vargas, e o 06 de dezembro de 1976, quando nos deixou João Goulart. O 21 de junho de 2004 entrou definitivamente para a história nacional como a data em que partiu um dos nossos maiores líderes, daqueles que se vão, mas deixam para a eternidade um rastro de realizações e bons exemplos, guia seguro para quem quer fazer política com dignidade, coerência e firmeza de princípios, marcas registradas de Leonel de Moura Brizola.
(Depoimento em janeiro de 2005)
Vieira da Cunha: "Brizola, antes de tudo, era um patriota"
Imediatamente, justifiquei ao Governador Germano Rigotto e aos demais membros da comitiva a necessidade de voltar para o Brasil ainda em tempo de participar das homenagens ao nosso Líder Brizola.
Felizmente, consegui um plano de vôo Pequim-Frankfurt-São Paulo-Porto Alegre. Foram mais de trinta horas de viagem, mas consegui chegar por volta de 10 horas da manhã do dia 23 de junho, ainda em tempo de receber o corpo do Governador Leonel Brizola, no início da tarde, no Aeroporto Salgado Filho. Não poderia deixar de estar lá, porque, se uma só pessoa houvesse no Aeroporto Salgado Filho para receber o Governador Leonel Brizola, essa pessoa seria eu, haja vista os laços não só de liderado para líder que nos uniam, mas o respeito muito grande, pessoal, além de político que eu tinha com o Governador Leonel Brizola.
Acalentáramos uma relação muito próxima que se aprofundou desde 1994, quando me elegi pela primeira vez Deputado Estadual. Nossos contatos, desde aquela época, portanto, nos últimos dez anos, eram praticamente diários. Falamos por telefone na véspera de sua morte. Liguei para ele, de Pequim, porque estávamos vivendo o período das convenções partidárias e conversávamos sobre as alianças nas eleições municipais de Porto Alegre, do Rio de Janeiro e de outras capitais.
Ele estava bem, com a voz firme, dizia que se estava recuperando de uma indisposição que havia tido dias antes na cidade de Montevidéu. Lastimavelmente, na manhã seguinte, recebi a notícia da sua morte.
Meu primeiro contato pessoal com o Governador Leonel Brizola deu-se logo depois da sua chegada do exílio. Eu era Presidente do Centro Acadêmico André da Rocha, da Faculdade de Direito da UFRGS. Organizáramos um seminário intitulado Rumos da Oposição Brasileira.
Nós, estudantes, com muita curiosidade, víamos o quadro político- partidário se formando. Nós, que havíamos crescido sob o bipartidarismo, estávamos sedentos por saber quais os partidos políticos que se reorganizariam com a reconquista da democracia no nosso País.
Trouxemos, então, para a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, os principais líderes nacionais dos partidos políticos que haviam-se reorganizado. Recordo-me de que no Plenário Farroupilha falou o líder Luiz Carlos Prestes sobre a reorganização do Partido Comunista. No Plenário João Neves da Fontoura, falou Leonel Brizola sobre a reorganização do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. Ainda não lhe haviam roubado a histórica sigla.
Era o ano de 1979, o Governador Leonel Brizola fez um pronunciamento sobre o que era o trabalhismo, os compromissos do trabalhismo, sobre sua trajetória histórica, sobre o Movimento de 64, enfim, sobre os grandes temas nacionais e internacionais. E eu, que, na época, tinha 19 anos de idade, era estudante, imediatamente me identifiquei com suas idéias, com o programa daquele Partido que se reorganizava, e, ali mesmo, naquela palestra, decidi que aquele seria o meu caminho político-partidário.
Em 1981, filiei-me ao Partido Democrático Trabalhista. Militei na juventude do Partido inicialmente, depois concorri a vereador, em 1982, nas primeiras eleições pós-Ditadura. Em 1986, assumi uma cadeira na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ocasião em que tive oportunidade de prestar uma homenagem ao Governador Leonel Brizola.
Recordo bem o dia: era 27 de agosto de 1986. Essa data era muito significativa porque transcorriam 25 anos do Movimento da Legalidade. Aquele episódio histórico fez com que uma multidão tomasse a Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, em defesa da Constituição, em defesa do regime democrático, que estava ameaçado porque as elites da época não queriam que o Vice-Presidente da República eleito, João Goulart, assumisse os comandos do destino deste País, uma vez que Jânio Quadros havia renunciado.
Foi o então Governador Leonel Brizola, jovem Governador, na época com 39 anos de idade, que comandou aquele Movimento histórico que acabou garantindo a posse do Presidente João Goulart. Ali Leonel Brizola projetou-se nacional e internacionalmente, porque aquele foi um dos maiores movimentos cívico-populares que já teve registro na nossa história. Foi um Movimento que ganhou consciências em todo o País e que acabou vitorioso, mesmo que seu brilho tivesse sido empanado pelo casuísmo do parlamentarismo.
De qualquer maneira, o golpe foi abortado, e João Goulart assumiu a Presidência da República, graças à coragem, à ousadia, à liderança, à capacidade de mobilização popular que teve o então jovem Governador Leonel Brizola.
Destaco, daquele histórico dia, um trecho do discurso que fez Leonel Brizola quando tomou conhecimento de que o Palácio Piratini estava na iminência de um bombardeio. A ordem de bombardeio partiu do 3.º Exército, e Leonel Brizola, no histórico pronunciamento, dirigindo-se ao povo gaúcho, disse o seguinte:
"Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham, e se eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória".
Essas foram as palavras corajosas do líder da Legalidade, Leonel Brizola, decisivas naquele momento histórico, para que as forças da reação e do conservadorismo recuassem e o Movimento triunfasse. A coragem e a liderança de Leonel Brizola estavam demonstradas para todo o País.
Honrado que fui com a condição de orador, distinguido pela família no túmulo do nosso Governador, no Município de São Borja, disse que Leonel Brizola tinha sido o maior Governador que o Rio Grande do Sul já teve. É verdade. Não foi a emoção do momento que me fez proferir aquelas palavras, mas os fatos históricos, suas obras, suas realizações, que atestam que aquela foi uma assertiva verdadeira.
Me referi antes ao Movimento da Legalidade e tenho também de lembrar o maior plano de escolarização que este país já testemunhou. Foram 6.300 escolas construídas em apenas quatro anos de Governo. São quase 1.600 escolas por ano. Essa obra magnífica de um Governador apaixonado pela causa da educação lançou as bases para que o Rio Grande do Sul pudesse ser hoje o Estado que tem o melhor nível de qualidade de vida do País. Tenho certeza de que isso se deve àquelas escolas, pois fizeram com que fosse desprezível o índice de analfabetismo no Rio Grande do Sul comparado ao de outros Estados do País. Graças aos pesados investimentos que Leonel Brizola fez em educação, o Rio Grande do Sul tem atualmente essa condição ímpar no contexto nacional.
Leonel Brizola fez também uma reforma agrária que até os dias de hoje é considerada uma referência positiva. Está lá o Banhado do Colégio, no Município de Camaquã, eloqüentemente testemunhando que é possível fazer um plano de distribuição de terras que permita aos nossos trabalhadores vocacionados para a produção tirarem do seu pedaço de terra o seu sustento, assim contribuindo para o desenvolvimento do Estado e do País com os frutos do seu trabalho.
Foi no Governo de Leonel Brizola que tivemos a corajosa encampação das empresas multinacionais de energia elétrica e de telefonia que emperravam o processo de desenvolvimento econômico do nosso Estado. Corajosamente, desapropriou essas empresas, fundando a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE - e a Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações - CRT -, que foram fundamentais para o crescimento do nosso Estado ao longo das últimas décadas.
Poderia citar a Estrada da Produção, a Refinaria Alberto Pasqualini, a Aços Finos Piratini e tantas outras obras e realizações que fizeram com que o Governo Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, fosse um Governo que marcou época. S. Exa. fez jus ao título de maior Governador do Estado do Rio Grande do Sul, atributo que lhe conferi sem exagero algum.
A Legalidade, em 1961, apenas adiou o golpe que viria três anos depois. Mil novecentos e sessenta e quatro foi marcado pelo Golpe Militar. Naquela época, diversos cidadãos e cidadãs brasileiros foram perseguidos e tiveram de viver no exterior, como foi o caso de Leonel Brizola.
A propósito, dificilmente alguém foi mais perseguido ou teve a sua vida mais virada ao avesso pela Ditadura Militar do que o ex-Governador Leonel Brizola, quando invadiram a sua casa, reviraram as suas gavetas e remexeram em seus objetos pessoais à procura de algo que pudesse comprometê-lo. Nada! Absolutamente nada encontraram que pudesse sequer arranhar a honrada vida pública ou privada deste homem que recém havia governado o Rio Grande.
Portanto, além de ser um líder corajoso e ousado, um administrador de mão cheia, inovador, Leonel Brizola tinha essa marca, a marca da honradez, da probidade. Era daqueles homens públicos com a característica da retidão de conduta. Numa época em que muitos políticos se satisfazem com as migalhas do poder, o exemplo de Leonel Brizola se agiganta, porque foi um homem que, por fidelidade aos seus princípios, rompeu com os governos que ajudou a eleger - no Rio de Janeiro, com Anthony Garotinho; no plano federal, com Luiz Inácio Lula da Silva, pois tais governantes haviam-se afastado daqueles compromissos que levaram Leonel Brizola a apoiá-los nas suas respectivas eleições. Rompeu com os Poderes Estadual e Federal para ficar em paz com a sua consciência e fiel aos seus compromissos e princípios.
O que nos conforta nesta hora é saber que Leonel Brizola morreu fazendo aquilo de que mais gostava, aquilo que sabia fazer: política. Um dia antes de sua morte, recebia lideranças políticas, mesmo acamado, no seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Como predisse em vida, morreu como um cavalo inglês, morreu na cancha, morreu peleando, o que nos conforta.
O que nos animou muito também foi a solidariedade, a comoção popular que testemunhamos não só no Rio de Janeiro - Estado que governou por duas vezes e onde deixou talvez sua maior marca registrada, os CIEPs, as escolas de turno integral -, mas também em Porto Alegre e na cidade de São Borja, onde foi enterrado.
As multidões vieram se despedir do grande líder que, antes de tudo, era um patriota, outra de suas marcas registradas. A missa de sétimo dia, realizada na Igreja da Candelária foi concluída com o Hino da Independência, que Brizola costumava puxar pessoalmente ao encerrar os nossos principais atos partidários. Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil -, cantava com uma emoção que contagiava, contaminando a todos com seu patriotismo, com seu compromisso inabalável de defesa da soberania nacional.
O dia 21 de junho de 2004 vai ficar marcado na história do Brasil, assim como ficaram o 24 de agosto de 1954, quando nos deixou o grande estadista Getúlio Vargas, e o 06 de dezembro de 1976, quando nos deixou João Goulart. O 21 de junho de 2004 entrou definitivamente para a história nacional como a data em que partiu um dos nossos maiores líderes, daqueles que se vão, mas deixam para a eternidade um rastro de realizações e bons exemplos, guia seguro para quem quer fazer política com dignidade, coerência e firmeza de princípios, marcas registradas de Leonel de Moura Brizola.
(Depoimento em janeiro de 2005)
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial